Colina, Betaína e Homocisteína

Info Geral

Homocisteína (Hcy) é um aminoácido sulfurado homólogo da cisteína e da qual difere apenas por apresentar mais um grupo metileno (-CH2). A homocisteína não é obtida através da dieta mas sim intercelularmente pela desmetilação da metionina através de diversos passos metabólicos[i].

Diversos indicativos sugerem que um excesso da acumulação de Hcy causa dano celular e promove doença vascular, microvascular e disfunção cerebrovascular[iii] que ocorrem devido a um erro bioquímico nas vias metabólicas de transformação e/ou devido a deficiência nas vitaminas e co-factores essenciais aos processos fisiológicos do organismo. Estas ocorrências podem levar a uma acumulação de homocisteína e, consequentemente, a um aumento do risco de doença vascular.

A hiperhomocisteinúria (HHcy) está associada ao dano do sistema vascular, por um mecanismo relacionado com stress oxidativo e aumento da acumulação de radicais livres[iv].

À data correlaciona-se ainda com a doença óssea[v], diabetes e degeneração macular[vi].

Representação ilustrativa do metabolismo da homocisteína e o provável mecanismo de desenvolvimento da osteoporose[vii]
A homocisteína é metilada à sua forma essencial de aminoácido metionina através de duas vias metabólicas, uma das quais através da reacção de remetilação da homocisteína catalisada pelo enzima metionina-sintase dependente de vitamina B12 e a qual captura um grupo metilo do 5-metil-tetrahidrofolato.

A segunda via requer betaína (derivada da colina) como dadora do grupo metilo para a metilação da homocisteína, catalisada pela betaína-homocisteína s-metiltransferase (BHMT). A via catabólica da homocisteína, conhecida pela via da trans-sulfuração, converte a homocisteína no a.a. cisteína através de 2 vitaminas B6 por intermédio de enzimas fosfato-piridoxal dependentes: a cistainase β-sintase catalisa a condensação da homocisteína com serina formando cistationina, sendo esta convertida em cisteína, α-cetobutirato e amónia, por intermédio do cistainase gama-liase.

 

Metabolismo da Homocisteína in Linus Pauling Institute – Oregon State University

A metionina é ainda o percursor do dador universal de metilo, S-adenosilmetionina (SAMe), sendo necessárias 3 moléculas de SAMe na metilação da fostatidiletanolamina em fosfatidilcolina pelo fosfatidiletanolamina N-metiltransferase (PEMT). A colina pode então ser originada através da fosfatidilcolina por acção das fosfolipases e, inversamente, a colina pode ser convertida em fosfatidilcolina por intermédio do citidina difosfato na via CDP-colina/citicolina.

Após a sua formação via metionina dietária, a homocisteína pode ser catabolizada em cisteína via metabolismo de trans-sulfuração ou remetilada a metionina. Folatos e colina estão envolvidos nas vias alternativas que catalizam a remetilação da homocisteína, especificamente a colina que é percursora da betaína a qual providencia um grupo metil para a conversão da homocisteína em metionina via enzima betaína-homocisteína metiltransferase (BHMT).

Apesar da quantidade de homocisteína no sangue ser regulada por diversos nutrientes (incluindo folatos e colina), as hepatopatologias (como a esteatose) afectam o metabolismo da homocisteína[viii].

 

Doença Cardiovascular

Diversos indicativos demonstram já que mesmo uma moderada elevação dos níveis de homocisteína no sangue aumentam o risco de doença cardiovascular[ix].

A causa mais comum de enfarte miocardial e acidente vascular cerebral é a ruptura de placas ateroscleróticas nas paredes das artérias, as quais causam formação de trombos (trombogénese). Altas concentrações de homocisteína podem promover o desenvolvimento de aterosclerose (aterogénese) e trombogénese através dos mecanismos que envolvem o stress oxidativo e a disfunção endotelial, inflamação, anomalias na coagulação sanguínea e desordens do metabolismo lipídico.

 

Concentrações de betaína e colina em circulação e risco de Doença Cardiovascular

Um estudo de 1995 verificou que concentrações plasmáticas elevadas de homocisteína em doentes de oclusão vascular estavam associados a uma maior excreção urinária de betaína[x], ao contrário do que se esperaria pela redução de colina ou betaína ou mesmo de diminuição da actividade de BHMT.

Num outro estudo[xi], a elevada excreção urinária de betaína estava associada a um aumento no risco de falência coronária em 325 indivíduos não diabéticos que foram hospitalizados devido a síndrome coronário agudo. Neste mesmo estudo, verificou-se que ambos valores máximos e mínimos estavam associados a um aumento de risco de enfarte agudo do miocárdio secundário.

Os achados do Hordaland Health Study[xii] reuniram dados de 7045 adultos saudáveis com idades entre os 47 e os 49 anos e entre os 71 e os 74 anos e sugerem que concentrações plasmáticas elevadas de colina e baixas de betaína estão associadas a um risco cardiovascular. Na realidade, a colina plasmática foi positivamente associada a alguns factores de risco cardiovascular como o IMC, percentagem de gordura corporal, perímetro abdominal e triglicéridos aumentados bem como baixo HDL. Por outro lado, o achado de betaína plasmática foi associado com aumento de HDL e com isso diminuição do risco cardiovascular.

Alguns estudos mais recentes associam o aumento do risco cardiovascular não à colina mas sim ao TMAO obtido por conversão da mesma.

 

Consumo de colina e betaína na Doença Cardiovascular

Uma vez que ambas as vias dependente de folatos ou de colina catalisam a remetilação da homocisteína, o consumo de ambos deve ser considerado quando em coexistem elevados níveis de homocisteína e doença cardiovascular.

Ainda assim, e apesar da sua relevância, a relação da betaína e da colina no metabolismo da homocisteína não tem vindo a ser suficientemente explicitado e estudado, essencialmente porque a quantidade de colina nos alimentos não era passível de ser medida de forma precisa até recentemente.

Em estudos preliminares, doses farmacológicas de betaína (1500 a 6000mg/dia) diminuíram a concentração da homocisteína no sangue, em voluntários com concentrações normais a moderadamente elevadas de homocisteína[xiii].

No entanto, num estudo cohort com 16165 mulheres com idades entre os 49 e os 79 anos, doses baixas (semelhantes às obtidas via dieta) não se relacionaram com as concentrações de homocisteína. Este estudo demonstrou ainda que os níveis de colina eram inversamente proporcionais às concentrações de homocisteína no sangue[xiv].

O estudo prospectivo ARIC (Risco Aterosclerótico nas Comunidades) verificou que a toma de 298 a 486mg/dia de colina não se encontra significativamente associado com a incidência de doença coronária nos cerca de 14430 participantes[xv].

Além destes dados, numa análise do HPFS (Health Professionals Follow-up Study) que envolveu 44504 homens num período de 24 anos, o risco de doença arterial periférica foi positivamente correlacionado com concentrações de homocisteína, mas não com as concentrações de betaína ou colina[xvi].

 

Função Cognitiva na velhice

A função cognitiva, incluindo os domínios da memória, rapidez e capacidade de execução, diminuem gradualmente com o aumento da idade. O rácio do declínio cognitivo é influenciado pelas modificações dos riscos, tal como os hábitos dietários.

A deficiência em vitaminas do grupo B e concentrações elevadas de homocisteína no sangue foram já associadas com deficits cognitivos nos idosos. No entanto, uma meta-análise de 11 estudos realizada em 2014 indica que a utilização de suplementação de vitamina B no sentido de diminuir as concentrações de homocisteína, não permite melhorar performance cognitiva nem limitar o declínio cognitivo em adultos idosos[xvii].

No entanto, a análise de 1391 voluntários com idades entre os 36 e os 83 anos conseguida pelo estudo The relation of dietary choline to cognitive performance and white-matter hyperintensity in the Framingham Offspring Cohort[xviii] sugere que a toma de colina está associada a melhoras positivas em relação a funções cognitivas específicas como a memória verbal de nomes e a memória visual.

Outro estudo[xix] com 2195 indivíduos com idades entre os 70 e os 74 anos, verificou as capacidades cognitivas e as concentrações no sangue de vários factores determinantes da homocisteína circulante, incluindo a colina e a betaína.

Ao contrário da betaína, concentrações de colina livre foram consideradas como significativamente relevantes com uma melhor performance nos testes cognitivos que avaliaram velocidade sensitiva motora, percepção de velocidade e execução de funções bem como cognição de forma global. Contudo, existem também indicativos[xx] de que ao baseline, as concentrações de betaína, e não de colina, correlacionam-se positivamente com melhoras cerebrais.

 

Suplementação

A betaína é uma substância produzida endogenamente e envolvida na função hepática, reprodução celular, na síntese de carnitina e na metabolização da homocisteína, diminuindo a sua concentração tendo a FDA aprovado o seu uso no tratamento de homocisteinúria por forma a diminuir risco de doença cardiovascular e AVC. A betaína é assim capaz de reduzir a homocisteína (a qual tem efeito deletério sobre o metabolismo ósseo pois aumenta a actividade dos osteoclastos, diminui actividade dos osteoblastos e reduz força óssea)[xxi].

A colina está envolvida na regulação das concentrações de homocisteína no sangue, através do metabolismo da betaína, sendo sugerido que suplementação com esta amina seja benéfica na saúde cardiovascular, especialmente quando acompanhada com antioxidantes para evitar possível elevação do TMAO, o qual pode aumentar o risco de doença cardiovascular.

 

 


Bibliografia & Estudos de Evidência Científica

[i] Homocysteine, Alcoholism, and Its Potential Epigenetic Mechanism. Alcohol Clin Exp Res. 2016 Dec;40(12):2474-2481.

[ii] Homocisteína e Doenças Cardiovasculares. Socerj – Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro

[iii] Homocysteine, Paraoxonase-1 and Vascular Endothelial Dysfunction: Omnibus viis Romam Pervenitur. J Clin Diagn Res. 2014 Sep;8(9):CE01-4.

Homocysteine causes cerebrovascular leakage in mice. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2006 Mar;290(3):H1206-13.

Cerebral vascular dysfunction mediated by superoxide in hyperhomocysteinemic mice. Stroke. 2004 Aug;35(8):1957-62.

Ablation of MMP9 gene ameliorates paracellular permeability and fibrinogen-amyloid beta complex formation during hyperhomocysteinemia. J Cereb Blood Flow Metab. 2014 Sep;34(9):1472-82.

Hydrogen sulfide attenuates neurodegeneration and neurovascular dysfunction induced by intracerebral-administered homocysteine in mice. Neuroscience. 2013 Nov 12;252:302-19.

[iv] Mechanisms of homocysteine-induced oxidative stress. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2005 Dec;289(6):H2649-56.

Nutri-epigenetics ameliorates blood-brain barrier damage and neurodegeneration in hyperhomocysteinemia: role of folic acid. J Mol Neurosci. 2014 Feb;52(2):202-15.

[v] B vitamins, homocysteine and bone health. Nutrients. 2015 Mar 30;7(4):2176-92.

[vi] Homocysteine and the risk of age-related macular degeneration: a systematic review and meta-analysis. Sci Rep. 2015 Jul 21;5:10585.

[vii] Vitamins B12, B6, B9, and homocysteine and their relation with bone mass in the elderly. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia. 15. 577-585. 10.1590/S1809-98232012000300018.

[viii] Serum homocysteine levels, oxidative stress and cardiovascular risk in non-alcoholic steatohepatitis. Eur J Intern Med. 2014;25(8):762-767.

[ix] Elevated homocysteine levels and risk of cardiovascular and all-cause mortality: a meta-analysis of prospective studies. J Zhejiang Univ Sci B. 2015 Jan;16(1):78-86.

[x] 1H NMR determination of urinary betaine in patients with premature vascular disease and mild homocysteinemia. Clin Chem. 1995;41(2):275-283.

[xi] Betaine and secondary events in an acute coronary syndrome cohort. PLoS One. 2012;7(5):e37883.

[xii] Divergent associations of plasma choline and betaine with components of metabolic syndrome in middle age and elderly men and women. J Nutr. 2008;138(5):914-920.

[xiii] Choline supplemented as phosphatidylcholine decreases fasting and postmethionine-loading plasma homocysteine concentrations in healthy men. Am J Clin Nutr. 2005;82(1):111-117.

Betaine supplementation lowers plasma homocysteine in healthy men and women. J Nutr. 2003;133(5):1291-1295.

[xiv] Prospective study on dietary intakes of folate, betaine, and choline and cardiovascular disease risk in women. Eur J Clin Nutr. 2008;62(3):386-394.

[xv] Usual choline and betaine dietary intake and incident coronary heart disease: the Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) study. BMC Cardiovasc Disord. 2007;7:20.

[xvi] Plasma homocysteine, dietary B vitamins, betaine, and choline and risk of peripheral artery disease. Atherosclerosis. 2014;235(1):94-101.

[xvii] Effects of homocysteine lowering with B vitamins on cognitive aging: meta-analysis of 11 trials with cognitive data on 22,000 individuals. Am J Clin Nutr. 2014;100(2):657-666.

[xviii] The relation of dietary choline to cognitive performance and white-matter hyperintensity in the Framingham Offspring Cohort. Am J Clin Nutr. 2011;94(6):1584-1591.

 Br J Nutr. 2013;109(3):511-519.

[xx] The association of betaine, homocysteine and related metabolites with cognitive function in Dutch elderly people. Br J Nutr. 2007;98(5):960-968.

[xxi] The role of homocysteine in bone remodeling. Clin Chem Lab Med. 2013 Mar 1;51(3):579-90.